Os efeitos intelectuais da submissão ao politicamente correto

Uma das maneiras mais eficientes de alguém emburrecer rapidamente é submeter-se aos ditames do politicamente correto. Por isso, quem tiver o interesse de proteger sua inteligência, o primeiro passo é entender que sua subjetividade é muito valorosa para se deixar escravizar pelas ordens vindas de coletividades formadas por pessoas que há muito tempo abriram mão de seus cérebros em favor de uma mente amorfa e simiesca.

O fato é que o politicamente correto impede o desenvolvimento da inteligência. Isso porque ele não permite que o espírito humano se manifeste com espontaneidade, pois impõe, desde fora, as formas predeterminadas de linguagem. E são principalmente os adjetivos que sofrem mais intensa perseguição, criando-se uma verdadeira lista de palavras proibidas, ao mesmo tempo que cria outra com aquelas que devem ser usadas obrigatoriamente, sob pena de repreensões severas. Que em um ambiente assim as pessoas tenham sua capacidade de raciocínio atrofiada não é de se espantar.

Outro problema é que, baseado em eufemismos, o politicamente correto suga o espírito da coisa referida, arrancando o seu sentido verdadeiro, revestindo-a com nomenclaturas que apenas fazem referências distantes ao que ela é, de forma sempre a amenizar a realidade, parecendo dizer algo completamente diverso do que diz de fato. A questão é que quem se habitua a falar assim acaba perdendo contato com a realidade, passando não mais a descrevê-la como a percebe, mas fazendo o movimento contrário, enxergando-a pelas lentes da linguagem predeterminada. Não há como não perceber que essa forma de agir vicia o cérebro, que desacostumado de dizer o que realmente vê, começa a raciocinar apenas abstratamente, perdendo completamente a conexão com o mundo real e tornando dependente de algo exterior que lhe informe como cada coisa deve ser descrita. Disso para as pessoas não conseguirem mais narrar fatos simples de suas vidas ou expor as ideias mais banais é uma consequência óbvia.

Além de tudo isso, há ainda o fato de a submissão ao politicamente correto alijar a criatividade, impedindo sua plena manifestação. Como para ele, qualquer sinal de pensamento independente e de desprezo em relação às suas imposições é vista como arrogância e intolerância, qualquer um que se atreva a falar diferente dos demais, se referindo ao mundo em sua volta conforme o percebe, sofre um policiamento intenso e constante. A pessoa então, a fim de não ferir suscetibilidades, começa a falar de uma maneira excessivamente controlada, chegando ao ponto de ser o fiscal de si mesmo no uso da linguagem. É evidente que impedida da manifestação fora dos ditames rígidos do politicamente correto, a inteligência se tornará menos criativa e mais conformista, tendendo a repetir aquilo que já está definido, o que é a antítese do espírito artístico. Basta ver a escassez de uma arte de alto nível para confirmar isso. Alguns discordantes talvez levantem uma pequena objeção neste ponto, afirmando que em momentos de repressão a arte tende a se manifestar com mais força. E não demoram a citar o caso dos artistas brasileiros na época do governo militar. Nesta questão, deve-se considerar três hipóteses: 1) que a arte daquele período não seja tão boa assim; 2) que a repressão não fosse tão forte como dizem; 3) que a repressão não impede a boa arte. Considerando a arte produzida na Coréia do Norte, minha tendência é acreditar que somente as duas primeiras hipóteses podem ser verdadeiras.

Reductio ad Hitlerum ampliada

É bem provável que você conheça o truque retórico chamado reductio ad Hitlerum. Por meio desse instrumento de discussão, o debatedor, com o intuito de caracterizar o argumento adversário como algo reprovável, de antemão, o compara a alguma ideia, real ou criada, do nazismo ou do próprio Hitler. Com isso, ele acredita obter a vitória, simplesmente por achar ter impugnado o adversário dessa maneira.

Normalmente, a reductio ad Hitlerum é uma grande pilantragem. Quem usa desse artifício quer apenas encerrar a discussão sem, na verdade, adentrar no problema debatido. É, simplesmente, um xingamento travestido de argumentação.

E o que acontece hoje, em grande parte das discussões políticas que vemos por aí, é a universalização dessa artimanha. Não que a vinculação das ideias do adversário com o nazismo seja a única forma de desqualificar o oponente. A coisa é ainda pior! No imaginário político nacional, foram criados diversos outros “Hitlers” que servem de referência indubitável de maldade e erro, com os quais basta comparar o adversário para acreditar que ele está vencido na disputa.

Além do nazismo, que continua a servir de modelo de algo reprovável, principalmente no Brasil foram criados diversos outros símbolos de maldade, como o governo militar, o neoliberalismo, o ex-presidente Collor, o coronel Ustra, o imperialismo americano, a CIA, agora o Eduardo Cunha entre tantas outras referências criadas artificialmente para servirem de exemplos de algo condenável.

Basta comparar o oponente do debate com qualquer uma dessas figuras para tê-lo por impugnado de pronto. E quem usa desse truque ainda sai da discussão com o peito inflado, crendo que, com isso, venceu a disputa de maneira gloriosa.

Tal artifício tem sido usado, atualmente, de maneira tão ampla e abundante que discutir qualquer coisa tem se tornado algo impossível. A pressa em reduzir o adversário a um mero reflexo de modelos reprováveis, faz com que não haja mais troca de argumentos, nem verdadeiros debates, apenas um jogo onde o objetivo é conseguir encaixar o inimigo em algum tipo de modelo de perversão, maldade ou violência.

O resultado dessa universalização do truque é, obviamente, o emburrecimento em massa. Isso porque, a partir do momento que não há mais trocas de argumentos, a lógica e o raciocínio são simplemente desprezados. O que resta é apenas a manifestação histérica de pessoas que vivem correndo desesperadamente para denunciar o outro, inserindo-o em algum modelo pronto de tipo reprovável.

Assim, o que resta são apenas os gritos de fascista, homofóbico, nazista, misógino, torturador, quando não estuprador, homicida, genocida, ainda que tais rótulos surjam apenas por uma comparação tardia e frágil com modelos falsamente criados exatamente para impedir a discussão e condenar antecipadamente o adversário.

A continuar assim, chegará um momento que não mais será necessário, nas discussões públicos, que os oponentes troquem quaisquer palavras entre si. Bastará levantar plaquinhas, com os nomes das referências de maldade de sua preferência, para darem-se por satisfeitos e sairem cantando sua vitória no debate.

Falastrões debatedores: uma espécie a ser combatida

Quem já tentou debater com uma pessoa ignorante sabe o quão desgastante pode ser tal experiência. Quando me refiro a ignorante, quero dizer daquela pessoa que não tem a mínima noção do que está falando, no entanto, acredita, sinceramente, que é um expert no assunto. Diante disso, não perde nenhuma oportunidade para dar palpites, mesmo que ninguém tenha sequer cogitado a conveniência de sua intervenção.

E se engana quem acredita que esta é uma espécie rara. Muito pelo contrário, seu tipo tem se reproduzido de tal maneira por estas terras, que é quase impossível, após alguém dar alguma opinião coerente sobre alguma coisa, não surgir alguns exemplares deles, dando a conhecer aquilo que se encontra armazenado em suas entranhas.

Para os pertencentes do tipo, a necessidade de emitir opiniões é infinitamente mais forte do que a vontade de conhecer, causando, neles, uma angústia enorme, forçando-os a expelirem a matéria que se encontra já apodrecida em seus intestinos, não deixando dúvidas, para quem passa por perto, por causa do mal estar causado pelo conteúdo compartilhado, que estiveram por ali.

O pior é que são arrogantes, mas isto tem uma explicação lógica. Como o que eles possuem dentro deles é algo muito limitado, aquilo que sabem lhes parece tudo. Sendo assim, não é difícil concluírem que sabem tudo. Por causa disso, não sentem nenhuma necessidade de aprender, ao mesmo tempo que sentem-se absolutamente seguros para falar tudo o que pensam. O resultado é a expelição de tudo aquilo que ruminam, contaminando, onde quer que o façam, o ambiente.

Quem já mexeu com um gambá sabe o quanto pode ser desagradável o odor que ele expele. Quem já segurou uma joaninha sabe que seu cheiro pode impregnar nas mãos por um bom tempo. Mas muito pior é tratar com a espécie relatada acima. Enquanto aqueles simpáticos animais afetam, no máximo, nossos sentidos mais superficiais, os falastrões debatedores têm a capacidade de destruir o humor e paciência de qualquer um.

Por isso, a tolerância não é a melhor maneira de lidar com eles. A melhor solução é, sem nenhum dúvida, expeli-los antes que se manifestem.